Você deve ter lido em algum lugar. Saiu em tudo quanto é blog, página de notícias, jornais e até na Veja. O site de compartilhamento MegaUpload foi fechado. Mas você sabe o que era esse site ou, melhor dizendo, qual serviço ele prestava?
Esse tipo de site serve para armazenar arquivos em servidores centralizados e, portanto, disponíveis em qualquer lugar do planeta através de uma conexâo à internet. Detalhando um pouco mais, o serviço funciona assim: você tem um arquivo que deseja arquivar “nas nuvens”, como é atualmante chamado o repositório em servidores de internet. Basta você acessar (ainda não é reconhecido como verbo, minha gente, sendo que o correto seria dizer “ter acesso” mas não adianta nadar contra a correnteza) um site de compartilhamento por HTTP e enviar seu arquivo. Após isso, ele lhe mostrará um link de internet e com este link você pode fazer um download desse arquivo em qualquer computador com acesso à internet.
“Mas então por que toda essa celeuma? É um inocente serviço de armazenamento de arquivos.”, perguntará você, meu incauto leitor. Sim, é realmente um inocente serviço de armazenamento de arquivos. Mas, como tudo na vida, pode ser usado de várias formas. Às vezes, nós, usuários, usamos nossa máscara de anjo e outras vezes a de diabo. Esse inocente serviço passou a ser um problema porque o que a esmagadora maioria (e por “esmagadora” eu acho que, com folga, me refiro a pelo menos 95% dos usuários) enviava arquivos para os servidores e depois os compartilhava abertamente. Por exemplo, não havia impedimento técnico nenhum que evitasse que eu convertesse um CD qualquer da minha coleção para Vorbis (ou, argh!, MP3) e colocasse todas essas músicas em um arquivo do tipo RAR apenas para agrupá-los e não pela compactação em si que seria desprezível – os formatos de som quase não têm redundância, o que torna a compressão inútil. Depois disso, bastaria fazer o upload para o site e em seguida mandar o link resultante para todos os meus amigos por e-mail ou até publicar em um site. Assim, estaria infringindo as leis de copyright que vigoram em todo o planeta ao divulgar um material que não me pertence. Não, caro leitor, você não “possui” as músicas que compra em CDs ou até mesmo eletronicamente. Nem o software que você adquire. O que você compra é uma “licença de uso”, ou seja, o direito de usar as músicas ou software mas não detém direitos autorais sobre eles. Não pode dispor deles como bem entender.
Esse tipo de serviço funciona há muitos e muitos anos assim. Então, por que atacar agora? E por que o MU, como era chamado o MegaUpload entre seus usuários? Bem, na verdade, isso não começou agora. Há anos que as entidades que representam artistas, gravadoras e estúdios de cinema e TV tentavam derrubar esses sites mas com sucessos bastante limitados. A pergunta “por que o MU” é fácil de responder. Ele era um dos maiores e mais bem avaliados nas comunidades mundiais. Confiabilidade, estabilidade, boa velocidade de download, mesmo para usuários não pagantes (praticamente todos esses serviços dispõem de pacotes do tipo “premium” em que um usuário pagante tem privilégios, tais como maiores velocidades de download, não ficar vendo anúncios o tempo todo ou poder enviar arquivos maiores que os usuários gratuitos, etc) fizeram a fama do MU crescer ao longo dos anos.
A pergunta “por que agora” é mais obscura. Depois do fechamento do site, muita coisa foi dita e escrita e, obviamente, sendo a internet um canal livre, nem tudo que surgiu é confiável. Um dos fortes boatos foi o de que eles estariam prestes a lançar um serviço de downloads “legalizados”, para comercialização de músicas e filmes e isso deixou a concorrência de cabelos em pé. Um serviço que já tinha fama gigantesca provavelmente ganharia uma parcela bastante expressiva do mercado. Assim, os concorrentes tradicionais fizeram pressão para que o site “pirata” fosse tirado do ar antes que esse novo serviço “legal” viesse à tona. Não sei o suficiente para poder confirmar ou descartar a informação mas os rumores a respeito foram bem grandes.
De qualquer forma, vamos voltar ao título desse texto. Adianta caçar bruxas? Afinal, eles derrubaram o maior e mais conhecido mas são literalmente milhares de serviços miúdos disponíveis para os usuários. Uma série de sites menores, até então ignorados pelo mundo digital, começaram a despontar para ocupar o vácuo deixado pelo gigantesco MU. O fato é que agora a procura pelo serviço está dando preferência aos serviços oferecidos a partir da Europa ou Ásia e não mais nos Estados Unidos, onde estariam sujeitos às ações do FBI, responsável pela desativação do MU.
Para tentar deter o avanço desses novos serviços, várias leis estão sendo debatidas para criar um código regulador que, esperam, seja adotado por todos os países pelo planeta afora e que daria poderes de polícia principalmente aos americanos, sempre eles, sobre o conteúdo divulgado na internet.
E é justamente aqui que queríamos chegar. Sob o pretexto de proteger os direitos autorais de obras comerciais estão tentando amordaçar o canal mais livre existente no mundo. Querem colocar um grande cabresto na maior ferramenta a favor da liberdade de expressão já criada pela humanidade. O fato é que governos e empresas se sentem bastante desconfortáveis diante da internet. As empresas até que nem tanto, visto que ela se tornou em um poderoso canal de negócios. Mas eles ainda não sabem como lidar com aquele lado da internet que não admite controle. E os governos menos ainda. Vide os episódios de vazamento de informações sigilosas proporcionada pelo WikiLeaks há alguns meses e que gerou constrangimentos em maior ou menor escala mundo afora. Os governos, esses sim, seriam os maiores beneficiados pelo controle da internet, mesmo os ditos “democráticos”, porque todo mundo tem telhado de vidro em algum lugar. Que atire a primeira pedra aquele que for inocente. Falcatruas, ilegalidades, abusos e muita besteira também, não há como negar, vêm à tona diariamente pela internet. Países fortemente estatistas, como a China, têm enormes dificuldades em censurar o que circula pela rede. A China é provavelmente o país mais eficiente nesse assunto mas é como tentar construir uma barragem contra um rio que não pára (sempre com acento!!) de crescer. Em algum momento eles terão que ceder. É questão de tempo.
Voltando às empresas, elas gostariam de poder contar com a internet como canal de vendas mas igualmente gostariam de varrer para o lixo a parte dela que se presta à divulgação de informação e conteúdo, o que é obviamente ridículo. É o mesmo que construir um castelo de areia na praia e ficar esbravejando contra o mar a cada subida da maré. O mar não está nem aí. Entretanto, a ameaça à liberdade de expressão na internet existe e não pode nem deve ser ignorada. As tentativas de legislação planetária que citei estão em andamento. Existem modelos em discussão em vários países. É bom ficar de olho bem aberto. Nas palavras de Mike Godwin, da Electronic Frontier Foundation: “Me preocupa que daqui a 10 ou 15 anos, minha filha, hoje pequena, me pergunte: ‘Papai, onde você estava quando tiraram a liberdade de expressão da internet?’”
O que a indústria tenta salvar desesperadamente é um modelo de negócio completamente dissonante do século XXI. Até o surgimento da internet e compartilhamento livre de informações e arquivos, as gravadoras eram um mal necessário, do ponto de vista do artista. Como regra, ele não podia abrir mão de um grande canal de divulgação e distribuição e, assim, se sujeitava a ficar preso a um contrato com uma gravadora que produziria e venderia seu material, dando a ele uma parte bastante singela dos ganhos. A internet subverteu esse modelo. Qualquer um pode montar sua banda na garagem de casa, gravar seu disco ou clipe e colocar na internet pra todo mundo ver. E aí, basta aquele golpe de sorte que faz com que alguns desses arquivos caiam nas graças do público para se tornarem virais e ganhar fama e fazer sua fortuna de forma totalmente independente de um grande grupo. Todo mundo sabe que isso é possível. Até a Luíza, que já voltou do Canadá, por sinal. (Entedeu o que significa ser “viral”? Aquilo que se espalha como um vírus.)
Lembre-se de que a caça às bruxas, na Idade Média, somente serviu para as pessoas e a Igreja se livrarem de seus inimigos da forma mais sórdida: “purificados” pelas chamas. A expressão foi novamente utilizada várias vezes na história humana e sempre em contexto de perseguição injusta, atendendo a interesses de uns poucos. Você tem certeza de que é assim que quer ver a história da internet daqui a alguns anos?